terça-feira, 31 de agosto de 2021

A Arte e a Cultura da Paz

 

daisaku ikeda

Creio que para muitos a palavra arte imediatamente traz à mente imagens de algo muito formal e mesmo intimidador.


Isso pode até ser verdade. No entanto, ninguém considera o canto de um pássaro como algo formal ou amedrontador, certo? Com certeza, o mesmo ocorre quando alguém contempla um campo florido. Quem deixaria de admirar ou ser envolvido pela beleza das cerejeiras repletas de botões se abrindo sob o reflexo do brilho da Lua? E, em um lindo dia, tenho certeza de que levantamos os olhos para o céu azul e exclamamos: “Que maravilha!” O som da água correndo em um riacho certamente causa deleite aos ouvidos, revigorando e purificando nossos sentimentos. Tudo isso são exemplos do nosso amor intuitivo à beleza, o espírito da arte e da cultura.


A arte não é, de maneira alguma, algo incomum ou extraordinário. As grandes obras de arte, assim como a beleza inerente na natureza, são um bálsamo relaxante e refrescante para o espírito e uma fonte de energia e vitalidade.


Várias das nossas atividades diárias fazem ecoar o espírito da arte e da cultura. Por exemplo, quando nos esforçamos para ficar mais bonitos, buscamos produzir a beleza. Quando arrumamos nosso quarto, a fim de deixá-lo brilhando, estamos nos esforçando para criar a beleza. Uma única flor plantada em um vaso pode, muitas vezes, transformar completamente um recinto, proporcionando-lhe um toque suave e aconchegante. Tal é o poder da beleza.


A arte deveria nos tornar serenos e tranqüilos, e não nos colocar na defensiva ou nos fazer sentir desconfortáveis. Deveria nos encorajar quando nos sentimos desanimados e nos deixar relaxados e animados quando estamos tensos.


O mais importante é simplesmente começar apreciando a arte. Com certeza, para apreciar algumas grandes obras de arte em sua totalidade, devemos nos concentrar e fazer um certo esforço mental. No entanto, a apreciação começa simplesmente pelo contato com a obra. Com a música, por exemplo, iniciamos apenas ouvindo-a. Com uma pintura, iniciamos olhando-a. Sinto que muitos ficam tão preocupados em analisar um trabalho artístico que acabam não percebendo sua verdadeira natureza.


No Japão, por exemplo, mesmo a visita a um museu é, para a maioria, um evento raro e especial. Na Europa, contudo, as pessoas visitam museus de arte com freqüência desde criança. Por estarem acostumadas aos museus, estes não lhes causam medo. Uma razão disso talvez seja pelo fato de os museus ocidentais serem produtos de uma sociedade democrática. Nos séculos passados, somente os aristocratas, ou os indivíduos mais abastados, podiam colecionar e apreciar objetos de arte. Os museus de arte públicos surgiram quando as pessoas insistiram que elas, também, tinham o direito de acesso às grandes obras de arte. Foi simplesmente dessa maneira que eles surgiram; a partir de uma crescente demanda do povo pela oportunidade de apreciar a arte.


No Japão, por outro lado, os museus foram, primeiramente, estabelecidos na era Meiji (1868–1912), quando esse país abriu suas portas ao mundo após séculos de reclusão. A partir desse momento, o governo japonês inaugurou museus que imitavam os do Ocidente, acreditando que seu país seria considerado retrógrado pelos governantes ocidentais pelo fato de não possuir esses estabelecimentos. Como instituições patrocinadas pelo governo, os museus japoneses inevitavelmente traziam a condescendente mensagem: “Aqui está — estamos nos esforçando para que vocês possam apreciar essas obras de arte.”


A cultura, na verdade, existe para que as pessoas sintam-se felizes e tranqüilas; a arte não foi criada para nos intimidar; no entanto, várias pessoas parecem não reconhecer essa verdade.


A arte e a cultura genuínas esforçam-se para enriquecer o indivíduo e incentivar sua expressão própria, enquanto buscam ao mesmo tempo alcançar, emocionar, transmitir e aproximar as pessoas. Ela promove um espírito no qual a alegria e a felicidade dos outros antecedem a fama e a riqueza. A arte e a cultura genuínas existem para cultivar esse espírito.


Tenho esperança de que todos vocês, membros da Divisão dos Estudantes Colegiais, se tornem indivíduos que apreciam o verdadeiro espírito da cultura. Visitar museus e assistir a concertos são importantes meios para cultivarem esse espírito. Ao mesmo tempo, poderiam aprender algo na área artística, talvez cantar ou pintar, ou algum trabalho manual. Dessa maneira, gradativamente irão se tornar uma pessoa culta, alguém que aprecia e desfruta a arte e a cultura.


É importante que conheçam e se acostumem à arte. A arte e a cultura são o que enriquece nossa vida, tornando-a um verdadeiro valor.


Uma vez que a cultura é o alimento do espírito, apreciar a arte é muito mais importante do que a habilidade artística. A cultura é a expressão do impulso interior de cultivar a terra do espírito humano, limitado e oprimido pela tendência humana, de maneira a fazer brotar as mais belas flores e frutos em profusão.


A arrogância é o exato oposto ao espírito da cultura. Certa vez, uma pessoa comentou que um artista arrogante e convencido é um falso artista; tal tipo de pessoa é somente um “fornecedor de arte”, alguém que mantém seu sustento às custas da arte. Da mesma forma, uma pessoa culta, mas obcecada pela publicidade e pela fama, não passa de um “fornecedor de cultura”.


Gostaria que todos vocês, os líderes do futuro, reconhecessem que os genuínos artistas, indivíduos que verdadeiramente apreciam a cultura, são aqueles capazes de cultivar uma compreensão partilhada entre as pessoas, e que sempre manifestam um sentimento de gratidão e respeito pelos outros.


Gostaria de contar um episódio que exemplifica como a arte — neste caso a música — pode manifestar, no coração das pessoas, um sentimento de conforto e alegria. Um membro da Divisão dos Estudantes Colegiais tocou violino em uma reunião da qual participei. Assim que a melodia envolveu o recinto, todos os presentes, alguns dos quais vinham olhando para o chão de maneira retraída, levantaram a cabeça, e, ao ouvirem a música, um brilho irradiou de seus olhos. A mudança do estado de espírito foi surpreendente.


Isso é maravilhoso. Um mundo sem a arte é cinzento e sem vida. Somente quando as flores da cultura brotarem é que o nosso mundo poderá se tornar brilhante e alegre. O movimento da SGI para promover a cultura, partindo das pessoas para o mundo todo, é como um rico e colorido jardim que se estende por todo o globo.


A arte que se origina da alma também é, freqüentemente, a arte que expressa a fé religiosa. As grandes religiões dão origem a uma grande cultura.


Isso será verdadeiro enquanto a religião não se aliar às forças do autoritarismo.


Sem o respaldo de uma filosofia profunda firmemente arraigada no povo, é impossível que a cultura floresça. As religiões, e o budismo em particular, são inseparáveis da cultura. Elas são como os lados de uma mesma moeda. Tanto a cultura como o budismo objetivam inspirar o interior das pessoas. 


A autoridade opressiva e a arrogância são realmente fatais para a cultura, não é verdade?


Sim. Enquanto a arte e a cultura libertam as pessoas internamente, o autoritarismo as oprime externamente. São forças contrárias.


As pessoas que são capazes de apreciar a arte e a cultura são valiosas. Aqueles que são verdadeiramente cultos valorizam a paz e conduzem outros a um mundo de beleza e esperança e a um brilhante futuro. A autoridade tirânica, por outro lado, somente conduz as pessoas à escuridão. É o oposto da arte.


Por essa razão, cultivar e propagar uma apreciação à arte e à cultura é de suma importância para a caminhada em direção à paz.



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